5.04.2010

Menores infratores


Gosto de acompanhar as enquetes feitas pela Folha Online. Sempre tem alguma que acaba mostrando um lado vergonhoso da sociedade brasileira. Hoje, me deparei com uma enquete que pergunta ao leitor se ele concorda com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de aprovar uma resolução que permite o voto nas eleições de outubro de presos e jovens infratores. A resolução diz que urnas seriam instaladas nas unidades prisionais. Sem surpresas. Mais de 70% das pessoas são contra a decisão do TSE.

A violência no Brasil é realmente muito grande, mas discutida e combatida de maneira superficial. Ainda é muito comum ver pessoas que defendem a pena de morte ou a redução da maioridade penal, sem levar em conta o contexto em que a violência foi gerada, as suas verdadeiras causas e consequencias. Há pouco mais de um mês, entrevistei Laila Shukair, Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, sobre a questão carcerária no Brasil. Ela, radicalmente contra a redução da maioridade penal, me disse que em razão da crescente violência urbana, a mídia e alguns setores da sociedade fazem crer que os jovens, menores de 18 anos, não estão sujeitos à sanção quanto praticam ato algum ato infracional. Segundo ela, o Estatuto da Criança e do Adolescente, além das garantias dos direitos fundamentais, prevê sanção aos jovens infratores, como advertências e medidas socioeducativas. Se o delito praticado pelo jovem for considerado grave, como roubo, tráfico ou homicídio, ele deverá ser segregado da sociedade, isolado e receber medida socioeducativa de internação, para que não retorne à delinquência. “A Lei, de alguma forma, pune o jovem infrator, mas reconhece que, por tratar-se de um ser ainda em desenvolvimento, deverá o Estado, a família e a sociedade garantirem a ressocialização”, diz. Ela ainda completa que “reduzir a idade penal não diminuirá a criminalidade juvenil, agravará a situação do jovem que será colocado em estabelecimento penal, cárcere, presídio com outros adultos, tendo a sua formação comprometida, pois passarão pela escola do crime”.

Ao se isolar em condomínios fechados, onde a presença do pobre e do marginal é praticamente nula, a elite brasileira cada vez mais se esquiva, ignora e se aterroriza com problemas que ela mesma criou. O capitalismo não permite que seus integrantes distingam os pormenores (que neste caso são pormaiores) do modelo. Não há visão global nem sistêmica de pensar que só existe o rico porque existe o pobre e vice-versa. Pensar em redução da maioridade penal não acaba com o problema da violência. Muito pelo contrário. Entope os bueiros do sistema carcerário, que deveriam se chamar “Campos de Concentração”.

Ao perguntar os motivos que era contra a redução da maioridade penal, Shukair me disse que a sociedade não tem acesso a diversas informações que responsabilizam membros do Executivo e do Legislativo como corresponsáveis pela violência. “Também sou contra em razão da maior parte dos estados não ter implementado os programas socioeducativos para os adolescentes infratores. O que isto implica? Se um menino de 13 anos pratica o primeiro furto, a Lei determina que seja encaminhado a um programa socioeducativo para que seja realizado um trabalho com ele e com a família. Como a maior parte dos municípios brasileiros não tem esse programa, o jovem acabará praticando atos infracionais, até que passe a praticar crimes graves, como um roubo com arma de fogo. Tal fato representa delito grave e o jovem deverá, pela Lei, ser encaminhado para as unidades de internação. Acontece que a maioria dos municípios não tem as unidades de internação, e a Justiça acaba encaminhando-o à Unidade localizada na capital do estado, longe da familia e da comunidade, o que impede que seja realizado um trabalho de reintegração e de quebra da situação de delinqüência. Sou contra porque é fantasia achar que problemas complexos se resolvem com medidas simples. Há leitura equivocada da realidade”.

Confira uma parte da entrevista, feita para a Revista Integração.

Por que a senhora supõe que alguns jovens e até mesmo setores da sociedade defendem a redução?

LS: Talvez por desconhecerem que o jovem que pratica crime grave é internado em Unidades que devem realizar atividades pedagógicas. No entanto, a maioria delas tem um perfil prisional e não um perfil pedagógico. Além disso, talvez por desconhecerem que o sistema penitenciário está falido e que se o adolescente estiver no meio dos adultos, ficará exposto às facções criminosas. Talvez por desconhecerem que o jovem, por estar em processo de formação psicológica, deve receber tratamento diferenciado do adulto. Talvez por desconhecerem a realidade da população brasileira, famílias que não têm condições dignas de sobrevivência e filhos em situação de abandono afetivo e material além de serem vítimas de violência. Talvez por desconhecerem que é necessária a prática da prevenção e pelo fato da mídia, ao noticiar a violência praticada pelo jovem, não informar o contexto familiar, social e habitacional em que vive o jovem, muito menos os índices da criminalidade.

Muitas pessoas defendem a redução da maioridade penal pelos casos de homicídios praticados por adolescentes e amplamente divulgados na mídia. O número destes homicídios é alto, se comparado aos outros crimes cometidos por estes jovens?

LS: Dados reais apontam que os delitos graves, como homicídio, são praticados na maioria por adultos e não por adolescentes. A natureza dos crimes praticados pelos jovens é de ordem patrimonial, cerca de 70%. Apenas 1% da infração juvenil está relacionada a homicídio. Apenas os crimes raros e mais cruéis ganham notoriedade devido à divulgação que recebem da imprensa e geram um mito de que os adolescentes são os responsáveis pela violência no nosso país e que são perigosos.

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