5.10.2010

Entrevista com Maria da Penha


Em entrevista à Revista Integração, Maria da Penha Maia Fernandes, a mulher que deu nome à lei que combate a violência contra a mulher, disse que a lei deve ser considerada um marco social, um verdadeiro avanço no combate à violência doméstica. Segundo ela, problemas de aplicabilidade existem em qualquer lei, mas as vítimas nunca devem deixar de denunciar.


Hoje, após quase quatro anos da sanção da lei que leva o seu nome, qual a avaliação que a Sra. faz dos casos e das denúncias de violência doméstica no Brasil?

Maria da Penha: Acredito que a promulgação da Lei nº 11.340/2006 já pode ser considerada um marco social, tamanha a sua aceitação dentro da coletividade, com marcante recepção nas camadas economicamente mais frágeis da população. Ainda que sob a resistência de uma cultura historicamente machista, a Lei Maria da Penha já desponta como um contrapeso aos abusos criminosos contra as mulheres, até então renegadas ao desconhecido, porque agredidas no “falso” aconchego de um marido, companheiro ou familiar agressor.

Recentemente, em Belo Horizonte, uma cabeleireira foi assassinada pelo ex-marido inconformado com o fim do casamento. Ela já o havia denunciado várias vezes, mas nada de muito relevante foi feito. Na sua opinião, como anda a aplicabilidade da Lei Maria da Penha?

Maria da Penha: Se a lei pode ser considerada um marco, é igualmente inegável que a sua implantação, como espera a parcela feminina cansada do machismo brasileiro, é um processo e, como tal, reclama tempo e persistência de todas as entidades e agentes que militam na frente dos direitos humanos. Foi por isso que, no ano de 2009, lançamos o Instituto Maria da Penha (IMP), que tem justamente essa finalidade: a de servir de alavanca à ampliação, ao incremento e à capacitação de todos aqueles que lidam com a violência, inclusive pelas vias de repressão (como o aparato policial, persecução, tanto a Polícia Judiciária como os membros do Ministério Público), e penalização daquela ilicitude, que diz respeito ao Poder Judiciário.

Você acha que as agressões contra as mulheres ainda são frutos de uma sociedade conservadora? Acredita que este número tende a diminuir nas futuras gerações?

Maria da Penha: Se consideramos que a lei é um marco pelo seu caráter social, também identificaremos no patriarcado histórico do povo brasileiro os maiores desafios para o incremento deste remédio de combate à violência e, como não dizer, à marginalização da mulher. Na medida em que a violência passar a ser enfocada também sob a ótica da textura social, as ações conjuntas de educação, de preservação e de fortalecimento do núcleo familiar pelo cultivo do ser humano fraterno e solidário se somarão ao instrumento jurídico da Lei nº 11.340/2006 e, assim, sistematicamente unidos, tornar-se-ão numa estrutura cada vez mais patente e eficaz na prevenção e repressão do evento criminoso contra a mulher. Tudo, sem que tenhamos que lançar mão – como fazemos atualmente – tão somente do medo da punição como barreira a que novas ocorrências criminosas aconteçam, engrossando as cifras das relações afetivas salpicadas de capítulos violentos e ignoradas pela população, porque dentro da pauta entre “marido e mulher”.

Por que muitas mulheres ainda não denunciam agressões físicas às autoridades?

Maria da Penha: As chamadas cifras sombreadas da violência doméstica sobrevivem, basicamente, por um duplo aspecto: em primeiro lugar, porque as marcas da violência doméstica não maltratam somente o corpo, mas também a alma, através de um senso de vergonha, fragilidade emocional e uma falsa impressão de fracasso familiar. Com efeito, até que o evento violento venha à tona pela agredida, esta se detém muito tempo na reflexão (às vezes, interminável) de que o relacionamento com o algoz pode melhorar e até, ser resolvido, alcançando um patamar ainda não vivido pelos protagonistas da violência doméstica. Quando o agressor está centrado em alguém da família, tal assunto permanece obscuro, porque roupa suja se lava em casa... e assim, as agressões físicas vão se prolongando no tempo. Como se vê, o enfoque de tal cenário volta a se cercar de questões socioculturais. As mesmas que – ante a omissão da ofendida – impedem que terceiros levem a notícia-crime adiante; afinal, é assunto de marido e mulher, dizem muitos, sem pudor. A Lei Maria da Penha, também por isso, se mostra valiosa, pois ao adotar uma postura inegavelmente recriminadora ante o crime contra a mulher, o legislador ordinário recolocou a questão sob os trilhos ideais: a agressão contra a mulher é, sim, assunto de todos, como o é todo e qualquer ato atentatório à dignidade da pessoa humana.

Um comentário:

  1. Eu admiro muito a Maria da Penha pela sua luta e trajetória até conseguir fazer com que fosse feita justiça

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