5.06.2010

Ela faz o samba


Entrevista que fiz com a Leci Brandão para a Revista Integração, voltada aos alunos da Ação Social Paula Frassinetti e aos moradores do Morro do Papagaio.

Nascida em Madureira e criada em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, a cantora e compositora Leci Brandão foi a primeira mulher a fazer parte da ala de compositores da Mangueira. Assim como muitos brasileiros de origem pobre, teve de ajudar no orçamento familiar durante muitos anos. Trabalhava durante o dia e estudava à noite. Em 1974, sua paixão pelo samba a fez gravar seu primeiro compacto simples. No ano seguinte, ela gravou seu primeiro LP, muito premiado pela crítica. De lá pra cá, foram 23 discos e várias compilações em vinte e nove anos de carreira. Suas músicas e composições são marcadas por letras em defesa das minorias: estudantes, índios, prostitutas, gays, partidos de esquerda, movimentos de mulheres e, principalmente, o Movimento Negro. Nos últimos quinze anos, todos os discos de Leci contêm uma faixa falando do assunto de forma direta, transparente e apaixonada. Em entrevista à Revista Integração, Leci Brandão diz que, apesar dos obstáculos na carreira artística, nunca deixou as questões sociais de suas letras. “Nunca desisti dos meus objetivos porque entendo que, sendo eu mulher, negra e de origem humilde, tornei minha arte como instrumento de luta”, conta.

Integração: Você foi a primeira mulher a fazer parte da ala de compositores da Mangueira. Naquela época, como era a presença da mulher dentro do samba e na sociedade em geral?

Leci Brandão: Foi em 1971, simbolicamente. Fiz estágio durante um ano compondo sambas de quadra. Em 1972, após ter sido aprovada pela Ala de Compositores, recebi a carteira oficial . Não era comum ter mulher em Ala de Compositores. A única conhecida no Brasil era Dona Yvone Lara, que vencera, no Império Serrano, com samba-enredo. Entretanto, nos anos 70, a mulher já se destacava na sociedade brasileira e as mulheres negras já se manifestavam no Movimento Negro.

Integração: No início restrito às comunidades de periferia, o samba ganhou o Brasil e o mundo. Na sua opinião, o samba e o carnaval perderam a identidade que remete aos negros e pobres do Brasil? Como você avalia o samba hoje?

LB: Com a entrada da transmissão de TV nos desfiles, o formato das Escolas de Samba sofreu transformações. Caiu a importância do Diretor de Harmonia, dos passistas, das baianas e da comunidade. Passou-se a valorizar o carnavalesco, as rainhas de bateria e as "celebridades", gente que se aproveita das Escolas para aparecer na mídia.

Integração: Em 1982, você participava ativamente das campanhas políticas dos partidos de oposição à ditadura militar. Como foi sua relação com o regime?

LB: Minha história de vida prova que meu comportamento não poderia ser diferente. Venho de origem pobre, sempre batalhei para sobreviver e as letras de minhas músicas sempre se identificaram com os movimentos populares. Tive algumas músicas censuradas nos anos 70.

Integração: Você gravou 23 discos em 29 anos de carreira. Por um tempo, parou de gravar por questões políticas, já que as gravadoras não aceitavam suas letras marcadas pelas questões sociais. Para você, a música também tem esse papel de conscientizar e trazer uma mensagem política?

LB: Enfrentei muitos obstáculos na carreira artística, por ser uma cidadã engajada com as questões sociais. Nunca desisti dos meus objetivos porque entendo que, sendo eu mulher, negra e de origem humilde, tornei minha arte instrumento de luta pela comunidade. É minha obrigação.

Integração: A que você atribui essa característica tão forte sua, que é cantar e incluir em seus discos as minorias marginalizadas?

LB: Acredito que seja missão determinada por Deus. Além disto, meus protetores espirituais são Ogum e Iansã, orixás de luta.

Integração: Atualmente, você é membro do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial e do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. A redução do preconceito contra o negro e a mulher têm evoluído no Brasil?

LB: Sou conselheira apenas da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Devemos a criação desta Secretaria ao Movimento Negro, que incluiu, no programa de Governo do Presidente Lula, esta justa reivindicação. Continuamos lutando por muitas coisas: cotas nas universidades, titularização de terras quilombolas, igualdade salarial, respeito das Polícias Civil e Militar, inclusão e acesso às empresas multinacionais. Afinal, o preconceito é racial e não social, como muitos insistem em afirmar.

Integração: Qual mensagem você daria aos alunos e moradores do Morro do Papagaio, em Belo Horizonte?

LB: Minha gente querida do Morro do Papagaio, tive o prazer de conhecer Belo Horizonte no início da minha carreira e pude sentir o carinho e a tranquilidade do povo mineiro. Sei que este estado é rico naturalmente, entretanto nossos ancestrais escravos muito trabalharam e sofreram para aumentar essa riqueza. A população negra de Belo Horizonte é imensa e a situação de pobreza é semelhante. Por esta razão, precisamos nos unir e continuar lutando por nossos direitos. É importante que haja um veículo de comunicação que preste serviços à comunidade, levando consciência política para que se tenha uma vida sobretudo pautada pela dignidade.

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